segunda-feira, 9 de julho de 2012

CONHEÇA O PROFESSOR JOÃO PEREIRA LEITE

MEMORIAL
João Pereira Leite
            Nascido em um bairro da zona rural, no município de Ibiúna, estado de São Paulo, o professor João Pereira Leite, filho de pais analfabetos, teve seu primeiro contato com um lápis e um caderno aos oito anos, em seu primeiro dia de aula, na Escola de Emergência do Bairro Pereiras.
            Quando completou nove anos já estava matriculado numa escola no centro da cidade, onde concluiu o antigo primário. Esta escola era bem diferente daquela sala multisseriada em que fez a sua primeira série. Na verdade não era bem uma escola o seu primeiro local de contato com as letras. A sala de aula funcionava em um cômodo de uma residência, construída de barro, popularmente conhecida como pau-a-pique, localizada num bairro muito pobre. Não havia energia elétrica e muito menos água encanada. O banheiro ficava do lado de fora em um barranco e não havia fossa, os dejetos eram lançados ao ar livre. Os porcos e galinhas que viviam soltos é que faziam a festa. Não havia merenda escolar. Para se alimentar, na “hora do recreio”, levava arroz, feijão e ovo frito numa lata de leite em pó.
            O que dava ânimo e força para continuar seus estudos é que sempre sua mãe dizia: “um dia meu filho vai ser professor”. E não é que ela tinha razão.
            Dona Eva, que Deus a tenha! Não sabia ler e nem escrever, mas exigia que o filho caçula estudasse, pois os outros quatro filhos mais velhos não tiveram essa oportunidade. Não havia escola próxima na infância deles.
            O tempo passou, e o antigo ginásio estava para ser concluído. Faltavam menos de dois meses para a Dona Eva ver o seu filho receber o "diploma" da 8.ª série. “Meu filho já é quase um professor”, - dizia ela. Mas Deus não permitiu que ela entrasse com seu filho para receber o seu primeiro diploma.
            Seu último filho João foi uma gravidez de risco, pois a Dona Eva já estava com 44 anos quando deu a luz. Esse seu filho caçula era “raspa de tacho”. E desde seu nascimento sua saúde nunca mais foi a mesma. Deu a luz em um parto normal, acompanhada por uma parteira, como era tradição do lugar. Morreu aos 59 anos, no final de outubro do ano de 1981. A formatura da 8.ª série aconteceu em dezembro, mas não teve a mesma emoção que deveria, pois faltava a Dona Eva, a mãe que mesmo analfabeta cobrava as lições de casa e queria ver seu filho professor.
            Nesse tempo, poucos faziam o antigo colegial, pois precisavam trabalhar para ajudar nas despesas da casa.
            No município de Ibiúna, onde residia, havia apenas uma escola com uma classe de primeiro colegial, à noite, onde somente entravam aqueles alunos que passassem por uma prova de vestibulinho. Eram muitos concorrentes para poucas vagas. Os alunos que não conseguiam, teriam que esperar pelo próximo ano.
            Foi nessa época que graças a um professor chamado Jacob Rodrigues de Camargo que lecionava Língua Portuguesa, provavelmente no estilo do Colégio Pedro II, somente com conteúdos gramaticais e quase nada de textos preparou toda a turma da sala da 8.ª série A da E E  Prof. Roque Bastos e garantiu que todos aqueles que precisavam estudar à noite passassem no vestibulinho e garantissem vaga.
            Diferentemente dos anos anteriores, do antigo ginásio, as aulas de Língua Portuguesa não eram mais de gramática, mas somente de Literatura. No primeiro ano, iniciou-se com a origem da Língua Portuguesa, o Trovadorismo e assim sucessivamente. O primeiro ano, apesar de trabalhar na roça o dia todo e frequentar as aulas à noite muito cansado, passou rápido. Apesar de ficar para a semana de recuperação, teve um final feliz. Mas o pior estava por vir. Sem a mãe para apoiar e cobrar nos estudos, a vida escolar ficou em segundo plano. Por três anos consecutivos foram realizadas as matrículas, mas logo nos primeiros meses abandonava à escola. As desculpas eram sempre as mesmas. “- Saio tarde do trabalho”. E com isso o tempo foi passando. Após os três anos de abandonos consecutivos no decorrer do ano letivo, foram mais cinco sem estudar, sem nem sequer realizar a matrícula. Agora o trabalho já não era mais na roça, mas no comércio, numa casa de produtos de limpeza em que, mais tarde, viera a ser conhecido em todo o município como “João da Maguinha”.
            Foi nesse período que apareceu a oportunidade de atuar como professor de catequese na igreja matriz da cidade. Ali estava o início de tudo. As aulas fizeram lembrar-se de sua mãe e do sonho de um dia vir a ser professor. E como era bom ouvir pronunciar a palavra “professor” da boca de seus alunos de catequese.
            Agora já com seus vinte e poucos anos, só restava frequentar o curso Supletivo, atual EJA que trazia uma vantagem, poderia concluir o 2.º e o 3.º colegial em apenas um ano. E foi o que aconteceu.
            Mesmo após vários anos sem estudar, a escola não havia mudado em nada. As aulas continuavam com questionários de perguntas e respostas. Nas aulas de Língua Portuguesa, ensinava-se gramática tradicional, a literatura era dividida em períodos e a leitura obrigatória eram livros clássicos com resumo para nota. A vontade de terminar o antigo colegial para cursar uma faculdade falou mais alta, e mesmo trabalhando o dia todo sempre estava com pique para frequentar as aulas à noite. E o tempo novamente passou rápido. A faculdade não era mais um sonho. Após um vestibular concorrido e a publicação do sobrenome errado no jornal para dar mais emoção, a matrícula no curso de Letras na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba, atual UNISO, estava efetuada.
            Foi a partir daí que, mesmo sem frequentar nenhum dia de aula na faculdade, o novo universitário era convidado a entrar na sala de aula, devido à falta de docentes habilitados e cometer os primeiros erros como professor. Teve que aprender, ou melhor, sem formação nenhuma, teve que passar conteúdos para alunos de 5.ª a 8.ª séries. Isso aconteceu durante os três anos de faculdade. Com a falta de tempo, preparava as aulas nos finais de semana e até mesmo no ônibus, pois de sua cidade até a faculdade, em Sorocaba demorava uma hora e vinte minutos, aproximadamente.
            Após a conclusão do curso, em seu primeiro ano já formado em Letras, foi convidado para atuar como Professor Coordenador da Área de Língua Portuguesa num projeto inovador da Secretaria de Estado da Educação, nas chamadas "Escola Padrão", no início da década de 1990. Foi nesse período que em contato com professores mais experientes pode aperfeiçoar suas práticas e mesclar a gramática tradicional com pouquíssimas aulas de leitura e produção de texto. Ficou afastado totalmente de sala de aula por aproximadamente oito anos exercendo a função de Professor Coordenador Pedagógico no Período Noturno em uma outra escola Estadual, onde somente nos últimos três anos voltou a atuar em sala de aula como professor. Trabalhou concomitantemente por cinco anos, entre 1997 e 2001, no CK, um colégio particular que tinha o apoio didático do Sistema Didático Etapa, deixando este emprego para exercer o cargo de Diretor de Escola, também na rede pública, em São Roque.
            Além de professor, é diretor de escola na rede municipal de ensino de São Roque. Já atuou como Supervisor de Ensino designado e também já foi Secretário Municipal de Educação no Município em que reside, Ibiúna.
             Possui formação em Pedagogia pela faculdade de Ciências e Letras de Registro e em Letras pela Universidade de Sorocaba. Cursou Pós-Graduação em Gestão Escolar pela Universidade Anhembi Morumbi, é Pós-Graduado em Língua Portuguesa pela UNICAMP e em Direito Educacional. 

                                                                              Observação: Artigo postado em atividade do curso de Pós-Graduação da UNICAMP/REDEFOR e atualizado em outubro de 2023.