O drama do analfabetismo
Enquanto
o governo se preocupa com “marxismo cultural”, a batalha real contra o
analfabetismo vem sendo perdida.
Enquanto
o governo federal se preocupa em combater o chamado “marxismo cultural” nas
escolas e universidades do País – “ameaça” que só existe nas cabeças mais
aluadas do bolsonarismo –, a batalha real contra o analfabetismo vem sendo
fragorosamente perdida. Segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sobre educação divulgados pelo IBGE, há
11,3 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais que não conseguem ler ou
escrever um texto simples.
O
resultado de 2018 aponta uma pequeníssima queda em relação ao ano anterior –
6,8% no ano passado, ante 6,9% de analfabetos em 2017. É superior à meta de
6,5% estipulada para quatro anos atrás pelo Plano Nacional de Educação. Nesse
ritmo de queda no número de analfabetos, o Brasil não conseguirá atingir o
objetivo de erradicar o analfabetismo em 2024. Uma tragédia social e econômica.
A
Pnad Contínua mostra que o desafio ainda é muito maior na Região Nordeste, onde
há 13,9% de analfabetos, número quatro vezes maior do que o da Região Sudeste,
com 3,5%. Na Região Norte, o porcentual de analfabetos é de 8% e nas Regiões
Centro-Oeste e Sul, 5,4% e 3,6%, respectivamente.
A
chaga do analfabetismo também expõe o abismo que há entre brancos e negros no
País,
passado mais de século da abolição da escravidão. Entre a população negra, há
mais do que o dobro de analfabetos em relação à população branca: 9,1% e 3,9%,
respectivamente. Entre os mais velhos, acima dos 60 anos, o analfabetismo
alcança 10,3% dos brancos e 27,5% dos pretos ou pardos.
A
taxa de analfabetismo no País está relacionada à idade. Quanto mais velho o
grupo populacional, maior a proporção de analfabetos. De acordo com a Pnad
Contínua, há 6 milhões de analfabetos com 60 anos ou mais, taxa de
analfabetismo de 18,6% para este grupo etário.
Um
dado positivo revelado pela Pnad Contínua é o aumento, ainda que tênue, do
porcentual de crianças entre 6 e 14 anos na escola: de 99,2% em 2016 para 99,3%
em 2018. Ou seja, o Brasil atingiu a meta de universalização do ensino básico e
a tendência é que a taxa de analfabetismo continue a cair. A grande questão é o
ritmo dessa queda e os danos sociais e econômicos que o analfabetismo
continuará produzindo até que seja erradicado. “A taxa de analfabetismo vem
caindo, a situação melhorou para o Brasil todo. O que se observa é uma questão
de idade importante, um componente demográfico. À medida que os mais velhos
falecem, a tendência é o porcentual cair ainda mais”, disse Marina Águas,
analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento (Coren) do IBGE.
Embora
quase a totalidade das crianças e adolescentes de 6 a 14 anos esteja estudando,
ainda há um importante descompasso entre idade e etapa de ensino adequada.
Entre as crianças de 6 a 10 anos, 96,1% estão na série indicada para a faixa
etária. A discrepância é maior entre os jovens de 11 a 14 anos: 86,7% estão na
etapa indicada para a faixa etária. São resultados melhores dos que os
observados na Pnad Contínua de 2016, mas deixam claro que ainda se trata de um
problema a ser resolvido.
Outro
aspecto positivo a ser destacado é o aumento do acesso à educação básica, um
imperativo constitucional. A taxa cresceu de 45% em 2016 para 47,4% da
população de 25 anos ou mais em 2018.
Os
dados da Pnad Contínua sobre educação permitem concluir que o País avançou em
dois anos, mas muito pouco para um setor determinante para o sucesso de um
projeto de crescimento do País. Ainda há muito a ser feito na educação e o
governo do presidente Jair Bolsonaro fará melhor ao Brasil se concentrar
energias nos problemas reais que reclamam solução, como analfabetismo,
desvalorização de professores, abandono e evasão escolar, não em estultices
como a declarada guerra ao “marxismo cultural”, seja lá o que isso signifique.
Jair
Bolsonaro será o presidente do Brasil no bicentenário da Independência, em
2022. Se quiser, pode corrigir rumos e contribuir para que mais brasileiros
sejam independentes por meio da educação.
O Estado de S. Paulo. 13 Julho
de 2019. Acesso em 15/07/2019., 17h50min.