A dura realidade de um hospital municipal
Dias atrás estava jogando futebol na quadra da escola
onde sou professor e acabei me machucando. Fui socorrido no Hospital Municipal.
Ao chegar lá, minha preocupação era com a falta de
médicos, devido ao atraso de pagamento destes profissionais, e com a fila na recepção, mas acabei dando sorte, pois quando
cheguei, só havia umas duzentas pessoas na minha frente. Digo só, porque às
vezes existe muito mais. Depois de duas horas de espera fui chamado. Havia um
único médico, um Ginecologista, para atender toda aquela gente, pois os demais estavam em greve devido ao atraso de salários.
A enfermeira, uma senhora simpática, pediu-me que entrasse
e aguardasse numa cadeira que fica no corredor principal.
Minutos depois aparece outra e me pergunta:
- Você é paciente?
– pensei em responder-lhe que era impaciente, mas mudei de ideia.
- Sim, – respondi olhando fixo pra ela.
- Então, aguarde mais um minutinho que o médico já vai atender
o senhor.
Alguns minutos depois, volta a primeira enfermeira e me pede
para entrar.
- Vamos medir a sua pressão. Estique o braço, por
favor...
- Mas minha senhora, eu não estou doente, eu apenas caí e
bati meu...
- Fique quieto. São normas do hospital. Todos os
pacientes precisam medir a pressão para depois serem encaminhados ao médico.
Depois de ter medido a minha pressão, me levou à outra
sala ao lado para que o médico me examinasse.
- Qual é o seu problema? – perguntou-me o médico.
Expliquei-lhe nos mínimos detalhes o que havia acontecido
comigo e ele perguntou o que eu queria tomar para resolver o problema.
Respondi-lhe na lata:
- O médico é o senhor. Se eu soubesse, não estaria aqui.
Imediatamente ele chamou a enfermeira e lhe disse:
- Este senhor está com o braço e a cabeça machucados.
Faça aquilo que você está acostumado a fazer...
Ah, dê-lhe uma daquelas para passar a dor.
Entrei na sala da enfermaria com um pé atrás. Lá dentro,
não deu outra.
- Abaixe as calças, por favor...
- Mas minha senhora, o meu problema é na cabeça e no
braço...
- Eu sei. Vou aplicar esta injeção pra passar a dor...
- Mas minha senhora...
- Não vai doer nada. Não me diga que está com medo?
- Não, é que eu não gosto de tomar isso nas nádegas...
- Por isso não, eu posso aplicar no braço.
Pensei.
Se ela vier pra cima de mim, eu estico as canelas e...
Enquanto isso, ela vira as costas e começa a preparar a
seringa. Eu, tremendo como uma vara verde e, morrendo de medo evidentemente,
pensava numa maneira de evitar tudo aquilo.
- Minha senhora, não dá pra fazer o curativo no meu braço
primeiro?
- Não. E aí, já decidiu? Vai tomar em cima ou em baixo?
- Ela falou isso e veio pra cima de mim. Eu me afastei e fiquei
atrás da cadeira como um gato quando foge de um cachorro...
- Minha senhora, eu vou impedir essa injeção – respondi agarrando
em seu pulso.
- Ela fez pressão vindo pra cima do meu braço machucado.
Permaneci segurando seu pulso. Nesse momento ela escorrega e solta a
seringa. Foi aí que a situação se inverteu: eu estava por cima.
- Agora sou eu quem dá as ordens – falei, com ar de
felicidade, apesar da dor.
- Abaixe as calças.
- Mas não há nada de errado comigo. Eu não estou
doente...
- A mim a senhora não engana. Agora é minha vez de mostrar
que não vai doer nada.
- Não, não, não. Por favor – implorou – morro de medo da injeção.
Era
o que eu suspeitava. É fácil ser corajoso quando a gente está do outro lado.
Joguei a seringa para o lado e disse-lhe, cheio de desprezo:
- A senhora não passa mesmo de uma medrosa como muitos. Agora
enfaixe meu braço, por favor, que eu preciso ir pra casa.
- Não posso. Esse material está em falta no hospital. O senhor precisa
procurar uma farmácia. Lá eles farão isso para o senhor.
Pedi desculpas pelo que havia acontecido e deixei o
hospital.
(publicado
no Jornal A Vanguarda de Ibiúna, em outubro de 1995)